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O Sonho do leão

O Sonho do leão
Evandro Pastor
jun. 3 - 5 min de leitura
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Tempos atrás fui até um zoológico. Lembro-me que era uma quarta-feira nublada e ligeiramente fria. Lembro-me também que estava uma pilha de nervos e sair de casa parecia ser uma boa ideia.

Chegando no bendito zoo, liguei o piloto automático e fui caminhar. Confesso que não estava prestando muita atenção nos animais. Fui passando por algumas jaulas, viveiros e afins. Nada me chamava a atenção, estava absorto em meus pensamentos - pensava no trabalho e em um monte de problemas que a mudança para o interior me trouxe. Não gosto do interior.

O piloto automático desligou quando avistei a jaula do leão. Ela não era grande, pelo menos não tão grande para um leão adulto. Vi um banco de madeira e concreto próximo à jaula e fui me sentar. Vi que a jaula “encostava” perigosamente perto de mim. O que separava o leão de mim era uma espécie de corrimão e um pequeno jardim de uns 40 centímetros de largura. Se eu quisesse, poderia pegar no nariz do leão e, logicamente, não fiz isso. O leão estava deitado na quina da jaula, com as costas voltadas para a grade em direção à calçada principal e o seu focinho virado para o lado em que eu estava sentado.

Pensei que o leão estava dormindo.

Assim que me sentei no banco, notei que ele estava acordado, olhando para minha direção, com a respiração muito suave. O que mais me impressionou foi o olhar. Estava opaco. Sem brilho. Nesse momento vi um tratador passando por perto:

- Moço! - disse eu, me levantando do banco.
- Pois não? - disse o tratador.
- Esse leão tá bem? Ele tá deitado com o olho aberto, tá estranho.
- Ah, tá tudo bem. Ele dorme de olhos abertos, às vezes.

Como assim? O leão dormia de olhos abertos?

De fato, ele estava dormindo, pois, no mesmo instante, vi que o leão começava a mexer as patas, como se estivesse caminhando. Confesso que ver um animal do tamanho de uma moto grande naquele estado, era assustador.

Agradeci a atenção do tratador, ele tomou o seu rumo e eu voltei a me sentar no banco próximo ao leão. Fiquei observando o remexer das patas, caminhando no nada. Presumi que ele estava sonhando com uma bela savana, com um tempo quente, sol a pino, onde poderia passear entre os seus e caçar. Poderia até estar sonhando com aquilo que, muito provavelmente, nunca teria.
Minutos depois retomei a conversa com o tratador, que detalhou o destino daquele sonhador rei das selvas: disse-me que aquele leão nunca poderia voltar para casa por conta dos maus-tratos, e ele teria que viver no cativeiro para o resto da vida.

Vendo aqueles olhos opacos, lembrei-me de uma frase que ouvi faz alguns anos: quando um animal está preso há muito tempo, o olhar dele perde o brilho, como se perdesse a vontade de viver.

Era, de fato, o que eu vi naquele animal. Ele já tinha desistido de tudo.

Isso me fez refletir na minha vida naquele momento. Eu estava em uma posição melhor do que aquele leão, certo? Tinha uma vida fora de uma jaula…ou não?

Quantas vezes agimos no automático? Quantas vezes fazemos as coisas porque somos obrigados? Quantas vezes você se viu em uma jaula? Quantas vezes você se olhou no espelho e reparou que perdeu o brilho no olhar?

Era exatamente isso que estava acontecendo comigo. Eu estava em uma vida que não gostava, fazia coisas que não me agradavam e o pior: me sentia preso.

Levantei-me daquele banquinho sabendo exatamente o que fazer da minha vida. Naquele momento o leão acordou e bocejou, mostrando uma arcada de dentes gigantesca. Eu estava tão perto que senti o bafo quente dele.

Mentalmente agradeci. Fiz uma oração para o leão e comecei caminhar até a saída.

Dei uma dúzia de passos e notei um casal se aproximando de mim. No mesmo instante, o leão deu um rugido tão forte que o casal levou um susto:

- Meu Deus! Ainda bem que esse leão tá preso! - disse a moça.
- Se ele saísse da jaula, estaríamos mortos! - disse o rapaz, olhando para mim.
- Vocês estariam mortos, eu só precisaria correr mais que vocês dois! - respondi…só teria que correr como um leão.

 


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