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Matador de Lobisomens

Matador de Lobisomens
Evandro Pastor
jun. 24 - 10 min de leitura
010

Lembro-me que era uma agradável tarde de sábado. Meu avô vinha de outro bairro a pé nos visitar. Ele adorava caminhar e, quase todo os finais de semana, aparecia em casa. 

 

Logo depois do almoço, sentei com ele na sala para assistir a um filme. Não me recordo do filme, e sim do que aconteceu a seguir que me marcaria até hoje.

 

Mais ou menos após um terço do longa-metragem, meu avô - a partir de agora vou me referir a ele como Pai Véio, pois era assim que ele gostava de ser chamado - que disse:

 

- Que caba frouxo!

- Que caba, Pai Véio? 

- Oxe! - falando com uma voz grave quase como um rosnado - Esse caba aí do filme! Se fosse eu, já tinha picado esse outro aí na peixeira! – referindo-se ao vilão.

 

Eu dei risada! Na sequência, comentei:

- Pai Véio, o senhor sempre foi assim, valente?

- Aprendi com meu pai. - disse ele.

- Pai Véio, como era o bisavô?

- Esse era caba macho. Todo mundo tinha medo dele!

- Vixi! Sério? 

 

Ele, que até o momento estava prestando atenção no filme, se virou para mim e relatou:

- Se Lampião aparecesse na frente do meu pai, rapaz... ia fazer o caba chorar! 

- Misericórdia! Ele era tão valente assim?

- Fio, ele deu cabo de um lobisomem! Imagina o que ele iria fazer com Lampião?

 

Nesse momento, eu congelei. Nem prestei mais atenção no filme e perguntei:

- Pai Véio!? Como assim???

- Oxe, ele matô um lobisomem!

- Me conte mais! - disse o empolgado aqui, ainda moleque de uns 12 anos.

 

Ele se arrumou no sofá e começou a contar:

 

Na época mais ou menos que aquela loira bonita apareceu no cinema (ele falava da Marilyn Monroe) nóis morava no município de Esplanada, na Bahia. Era um bairro muito afastado do centro, bem no interior e só tinha umas poucas casas. Cada vizinho plantava alguma coisa e criava galinha ou porco. 

Um dia o vizinho do meu pai chamou ele pra ver uma coisa. Meu pai foi lá na casa do Zé - muito amigo dele. Chegando lá, ele viu a carcaça de um porco morto.

 

- Vê isso! Que diabo de bicho faria uma coisa dessas? - disse o Zé.

- Oxe, parece uma jaguatirica. Mas nunca vi uma mordida desse tamanho. 

 

A mordida tinha 10 vezes o tamanho de uma jaguatirica. Jaguatirica tem, no máximo, uns 15 quilos. Não passa de um gato grande. O que fez aquilo tinha uma mordida muito, muito maior.  

 

- Pai Véio, como o bisavô sabia disso? 

- Oooxe, ele caçava. Era o caçador da vila! 

 

E ele continuou:

Depois de conversar com o Zé, ele foi rastrear o bicho que matou o porco. Achou algumas marcas de patas, mas as patas era de um bicho que ele nunca tinha visto: eram grandes, pareciam patas de cachorro e com marca de garras nas pontas dos dedos. Vendo isso, meu pai voltou pra casa com a ideia de procurar a benzedeira da vila. Ele era um camarada muito ligado nas tradições e a benzedeira sempre era a pessoa que ele procurava pra fechar o corpo e pedir conselhos.

 

No dia seguinte, ele foi procurar a benzedeira. Ela morava longe da vila, porque preferia ficar no canto dela. Dentro da casa, feita de madeira e lama, tinha cruzes, imagens de santo e tinha um cheiro de arruda. Aí ele falou tudo o que tinha acontecido. Falou da carcaça do porco e das pegadas que achou. 

 

A benzedeira disse:

- Olhe, minha mãe já tinha falado de um bicho desses. Ela disse que esse bicho matou as criações de animais de onde ela morava e sempre aparecia na lua cheia.

- Vou matá esse fio de uma quenga! 

- Não vai ser fácil assim, onde eu morava tentaram e não conseguiram. O bicho é muito rápido. Mas eu tenho uma coisa pra te ajudar. 

A benzedeira levantou da cadeira, foi até o quarto do lado. Quando voltou, ela entregou pro meu pai, enrolado em um trapo velho, uma faca de cabo branco.

- Veja, essa é uma peixeira nova, virgem, nunca foi usada. E não use ela pra nada. Quando tu ver o bicho, enfia essa faca na sombra do bicho, daí ele não vai poder se mexer. Aí tu dá cabo dele! 

 

Meu pai nem discutiu. Agradeceu o presente e, ao sair, disse:

- Vou trazer a carcaça desse lazarento pra você.

- Eu sei. - disse a benzedeira.

E saiu.

 

O porco do Zé tinha sido abatido no final do período de lua cheia. Por isso meu pai teve que esperar até a próxima lua pra caçar o bicho. E assim fez.

 

No dia anterior à lua cheia, meu pai preparou uma armadilha: colocou algumas galinhas e porcos em um cercadinho que ele montou perto da casa velha e abandonada que tinha na vila. Como o cercado era encostado na parede da casa, ele podia se esconder até o bicho aparecer. Ele fez uma fogueira do lado contrário ao do cercado pra ajudar a ver melhor. Pra ajudar na armadilha, ele matou uma galinha e espalhou o sangue em volta do cercado. Com tudo pronto, ele esperou.

 

Quando deu mais de 2 da manhã, ele ouviu o grito do porco. Ele estava sendo mordido por alguma coisa. Como meu pai estava dentro da casa abandonada, o que ele viu foi a sombra projetada de um bicho grande que entrava no cômodo que ele estava. Vendo isso, não pensou duas vezes, sacou da faca com cabo branco e enfiou ela na sombra do bicho. Assim que ele fez isso, ouviu uma pancada alta. Era o corpo do porco que tinha caído. Meu pai deu uma olhada pela porta e viu um cachorro enorme, peludo, que ficava em pé pelas patas traseiras. O bicho tinha mãos de homem - a mão era grande e com garras. Ele viu que o bicho parecia congelado e estava em uma posição que parecia que iria dar uma mordida em algo. Assim ele foi congelado com a facada na sombra no momento que ia morder a carcaça do porco. 

 

Armado com um bacamarte, meu pai saiu da casa. Chegou perto, mirou no coração do bicho e atirou. Um bacamarte faz um estrago bem grande porque é uma arma que dispara várias balas de metal ao mesmo tempo. O tiro abriu um buraco do tamanho de uma melancia no peito do bicho. Com o tiro, o animal caiu no chão. Como meu pai era um homem precavido, usou uma das peixeiras que ele gostava - ele sempre tinha duas, uma maior que a outra, as duas tinham nome de mulher. Pegou a Sarafina, a maior, e arrancou a cabeça dele. 

 

Meu pai, todo manchado de sague, colocou a cabeça do dito cujo em um saco, amarrou o corpo dele com uma corda e arrastou até a casa da benzedeira. Horas depois - ainda de madrugada - ele bateu na casa da mulher:

 

- Ana! Venha cá! Trouxe o bicho!

 

A mulher saiu da casa, parecia que já esperava por ele. 

- É o fulano?

- Sim! Dei cabo dele.

- Quero que tu fique até amanhecer. 

- Oxe! Modi quê?

- Quero que tu veja uma coisa.

 

Ele não discutiu. Entrou na casa da mulher e pediu um gole de café. Passaram a noite falando do acontecido e, nos primeiros raios de sol, saíram. 

Meu pai tomou um susto quando abriu a porta. O corpo que estava lá, amarrado com uma corda não era o do lobisomem, mas parecia que era de um homem novo.

 

- Valei-me Nossa Senhora! - Saiu ele correndo pra ver a cabeça que estava no saco.

Quando abriu o saco, viu que a cabeça não era do animal, mas de um jovem - o filho do Zé, seu vizinho. 

 

- Meu Pai do Céu, que foi que eu fiz?

- Se acalma homem! Era a única coisa que tu podia fazer. 

- Você sabia disso? - perguntou ele.

- Sabia. O Zé tinha me pedido ajuda pro problema do filho e eu disse pra ele que a única coisa que poderia fazer era dar fim nele. Como não tinha coragem, deu um jeito de você fazer isso. Era seu destino fazer isso, só você poderia ajudar o filho do Zé!


 

- Pai Véio, ele fez isso mesmo?

- Oooxe! Eu lembro que ele chegou uma noite em casa cheio de sangue. Eu lembro que depois dessa noite, o Zé foi enterrar o filho dele. Ele não falou disso naquela noite, só contou o que aconteceu uma semana antes dele morrer, me chamou no quarto e contou.

 

Fiquei bestificado. A história é verdadeira? Não sei. A história é fantástica, com certeza. 

Por que raios estou falando disso? Para te mostrar que histórias vendem. Você, empreendedor, logicamente tem uma boa história de vida para contar e encantar seus clientes. Por isso, conexão é tudo.

 

No final das contas, é assim que vou me lembrar do Pai Véio: um nordestino caba macho, um excelente contador de histórias e um dos maiores exemplos de vida que tive. Que Deus o tenha em bom lugar. 


 


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